segunda-feira, 16 de novembro de 2009

[Que mal faz um palavrão, afinal?]

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Apesar da ampla liberdade no linguajar que existe hoje em dia, há muita gente que detesta palavrões, notadamente quando se depara com um tabuísmo no seu jornal ou revista favorito. Mas as pachouchadas estão já perfeitamente integradas ao nosso linguajar quotidiano. Aliás, não há porque se horrorizar com o palavrão, mesmo porque, dependendo do contexto, qualquer vocábulo pode ou não tornar-se uma palavra chula.

Esta pode parecer uma idéia um tanto desabusada, mas pondere o gentil leitor: termos e expressões como tira, bota, mais, aí não!, mexa, mais embaixo, é muito grande!, que coisa enorme, no mato? etc... não são palavrões e, pelos critérios dos mais pudibundos, pode-se publicá-las livremente. Se alguém achar essas palavras e/ou expressões licenciosas, é porque as colocou num contexto da sua própria criação.

Ao contrário, o substantivo filho-da-puta pode ser usado como expressão de grande admiração e até carinho. O Dicionário Houaiss diz, por exemplo, que a palavra, "como outros disfemismos, pode ser empregada ironicamente como elogio ou em linguagem afetiva". Há que citar ainda o caso do notório garanhão inglês, glorioso na história do hipismo mundial. É evidente que sir William Maxwell, seu proprietário, não lhe pespegou o nome de Filho da Puta (assim mesmo, em português) como ofensa.

Enfim, o palavrão —ou bocagem, impropriedade, linguarada, obscenidade, pachouchada, palavrada, porcaria, turpilóquio ou qualquer outro nome que se dê às palavras ditas de baixo calão— faz parte da nossa língua, do nosso discurso informal, às vezes até do coloquial.
É impossível pensar-se no português/brasileiro cotidiano de hoje em dia sem os muitos palavrões que dizemos regular e copiosamente.

Muitas vezes, o uso do palavrão acontece de forma hilariante e parte de quem menos se espera, ainda que de maneira apropriada. Esta história, por exemplo, é real e aconteceu num final de tarde, numa ensolarada e movimentada Afonso Pena: eis que estavam dois cavalheiros num Honda, subindo a nossa principal avenida, quando, com aquela tradicional e costumeira falta de educação e indisciplina que caracteriza o motorista campo-grandense, resolveram entrar na 13 de Junho.

Nesta conversão, o motorista não deu sinal, entrou com o semáforo vermelho e fechou um outro carro, uma Fiat Dobló (esses mini-ônibus de origem italiana que mais parecem um guarda-comida) pilotada por uma jovem e bela senhora, que transportava um grupo de pelo menos uma dúzia de crianças, com idade variando aí pelos cinco e dez anos.

Freada brusca, ranger de pneus. Gritos das crianças. Pancadas em alguns sensíveis mas duros cocurutos. E uma incontida indignação da jovem e bela chauffeuse, que partiu em disparada atrás dos pouco gentis cavalheiros.

Ela alcançou-os no cruzamento da 13 de Junho com a Antonio Maria Coelho. Emparelhou seu carro com o dos imprudentes senhores, botou a linda cabeça para fora, deixou antever um alvo e belo colo através do generoso decote do vestido e gritou em alto e bom som, com entusiástica e ruidosa aprovação da criançada:

— Não respeita uma mãe de família, não?!, seu filho-da-puta...

Nem por isso o mundo desabou ou o real se valorizou. Os protagonistas da história apenas demonstraram que imoral, amoral ou moralista, todos eles acabam cometendo toda sorte de imoralidades. Só tem uma diferença: o moralista não se diverte.

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