quinta-feira, 26 de novembro de 2009

_De homens e de sabonetes

[>>>]
Pode não parecer ao cidadão comum, mas já foi dada a largada —e faz tempo— para a corrida eleitoral de 2010, ainda que falte quase um ano para o pleito. E o que já se depreende pode ser visto como um exemplo do ponto de desenvolvimento a que chegou o marketing político e eleitoral.

Todas as semanas, quase todos os dias, são divulgadas novas pesquisas que dão conta do andamento das preferências de voto e da forma como os cidadãos vão reagindo aos desenvolvimentos das campanhas de cada lado. Boa parte da mídia se dedica ao noticiário político-eleitoral, empregando grandes de quantidades de tempo e espaço aos pretensos candidatos a todos os cargos, destacando-se os candidatos à Presidência da República. Mas nos Estados os candidatos a deputado estadual, deputado federal, senador, governador também ocupam a parte que lhes cabe neste latifúndio.

Parece mesmo uma corrida, mas o que é publicado nos meios de comunicação é apenas uma pequena parte da história. Na realidade as sondagens são usadas de forma muito mais completa do que parece. Eles não se limitam a medir as intenções de voto em cada candidato e a abstenção. Na realidade fazem verdadeiros estudos de mercado, no mais completo significado da palavra. Procuram saber com o maior detalhe o que os eleitores pensam sobre todos os assuntos, para, como faz qualquer especialista em marketing de bens de consumo, adaptar o seu “produto”.

Se as sondagens mostram que as pessoas estão preocupadas com a segurança, então os candidatos todos irão desfiar um rosário de propostas para melhorar a segurança. Pode ser que nem haja dinheiro para fazer tudo isso, mas depois a gente vê. Para já o que é necessário é persuadir os eleitores de que o nosso “produto” é muito bom nesse aspecto. É preciso saber que assuntos preocupam o “mercado” e o que ele deseja em relação a cada um desses temas.

Depois de fazer esses “estudos de mercado”, é necessário adaptar o “produto”. Isso começa logo na escolha do “produto”. Será inocente que o Partido dos Trabalhadores tenha escolhido uma candidata, a Sra. Dilma Roussef, com seu estilo gerentona, quando se sabe que os petistas têm a pecha de maus gestores da coisa pública? A própria escolha dos candidatos é mais influenciada pela sua capacidade de cativar as simpatias do eleitorado, nos seus diferentes “segmentos” e “nichos”, do que pelas suas capacidades de vir a governar bem ou, muito menos, pelas suas propostas ou ideias.

Depois da escolha do “produto” a vender aos eleitores e da sua “adaptação” às preferências reveladas pelos estudos de mercado —basta analisar as mudanças "gráficas' da Sra. Roussef—, o marketing político-eleitoral vai preocupar-se em posicioná-lo, usando a campanha eleitoral (propaganda e publicidade) e todo o tipo de eventos em que o candidato possa falar para o distinto público eleitor através da comunicação social (relações públicas).

É a altura de dizer às pessoas aquilo que previamente se ficou sabendo o que elas querem ouvir. Mesmo que não seja pra cumprir —claro!. É por isso que os diferentes candidatos dizem quase a mesma coisa. Foi o que os estudos de mercado demonstraram que as pessoas queriam ouvir. Como o mercado é o mesmo, é natural que os estudos feitos pelos diferentes partidos produzam aproximadamente os mesmos resultados.

Se os eleitores estão preocupados com a saúde, todos os candidatos vão apresentar ideias para melhorar os serviços de saúde. Se pensam que o estado deveria baixar os impostos, o que é que os candidatos vão propor? Reduzir a dívida pública ou reduzir os impostos? Como, regra geral, é a classe média que decide as eleições, são os assuntos que preocupam este grupo social que preenchem a maior parte das campanhas eleitorais.

Esta necessidade de posicionar os candidatos de acordo com aquilo que o mercado (isto é, o eleitorado) pretende é levado ao extremo quando se trata de debates ou outro tipo de aparição televisiva, até porque a tv é a máquina primordial do marketing político —pelo menos até agora, já que tudo indica que em breve será a Internet.

Por isso se chega ao ponto de treinar o tom de voz e os gestos que o candidato deve usar, para transmitir, por exemplo, uma imagem de autoridade e segurança (se foi isso que o estudo de mercado mostrou que preocupa as pessoas). Já não se trata apenas de escolher e adaptar o produto (candidato) às preferências do mercado, reveladas pelas pesquisas. Trata-se também de adaptar a embalagem.

Já não é só aquilo que o candidato diz que é escolhido em função dos estudos de mercado. É também a forma como o diz, o tom de voz, a aparência, os gestos, as reações. Diz quem sabe que para ganhar uma eleição destas é preciso ser realmente muito bom ator. Alguém se lembra do Ronald Reagan? Não, esse não foi um bom exemplo do que acaba de ser dito, porque ... em Hollywood nunca foi lá grande coisa como ator.

De tal forma o marketing domina a política nos dias de hoje que, faltando tanto tempo pras eleições, os candidatos já usam todo tipo de artimanha mercadológica pra "vender-se" aos eleitores. Muitos já praticamente abandonaram suas atividades regulares, mesmo aqueles que são detentores de mandatos —aliás, principalmente os detentores de mandatos.

No entanto, a origem da democracia não foi esta. Já houve quem classificasse o sistema democrático em duas eras: am e pm (antes do marketing e pós-marketing). Pense bem!, onde está a ideologia, na democracia dos nossos dias? Antes os (grandes) políticos eram também filósofos e das suas reflexões saíam propostas para as grandes causas da sociedade, para os problemas sociais, para melhor a estrutura organizativa do estado, para desenvolver a economia, para estruturar o sistema educativo, a assistência social, economia...

Hoje ninguém quer saber das "grandes causas", ninguém apresenta ideologias como forma de cativar os eleitores. Há quanto tempo se deixou de falar em social democracia, democracia cristã, socialismo e até mesmo de comunismo? Os políticos hoje são realmente promovidos como xampus ou sabonetes. Não se fala da sua função principal (lavar as mãos, não é?), só se promovem os aspectos de cosmética (o perfume, o deixar a pele macia, a capacidade de hidratar...).

Da mesma forma, ninguém promove um candidato pelos seus ideais, ou sequer com os seus projetos para a sociedade. O que é promovido é o seu sorriso, o seu tom de voz autoritário ou afável, ou a sua intenção de reduzir os impostos da classe média ou aumentar os lucros das classes altas. Por isso são cada vez mais iguais. Por isso a abstenção é cada vez maior. E é por isso também que, na véspera das eleições, estão sempre empatados.

Esta corrida eleitoral brasileira está também mostrando que o marketing televisivo terá atingido os seus limites. Os especialistas dos dois lados leram os mesmos livros, sabem os mesmos truques, dominam as mesmas técnicas de estudo de mercado e de marketing eleitoral. Por isso estão chegando a um empate —veja as pesquisas mais recentes!

Espera-se que, por isso, chegue-se a um ponto de viragem. No futuro não bastará desenhar um político à imagem dos estudos de mercado e depois vendê-lo como um sabonete ou um rolo de papel higiênico. Vai ser preciso diferenciá-lo. Para isso será necessário voltar às grandes causas e, se não às ideologias, pelo menos aos grandes projetos para a sociedade. Político sem projeto será apenas mais um sabonete (e nem sempre cheiroso) na prateleira do supermercado.

Nenhum comentário: