segunda-feira, 31 de agosto de 2009

_Panem et circensis

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Almir Sater cantou na Praça da República na sexta-feira. Mesmo antes de chegar à praça me deparei com um caos danado e me lembrei do panem et circencis, citação que significa pão e circo, que foi feita há muito tempo pelo imperador romano Vespasiano, mentor da construção do coliseu —disse ele: "pão e circo para o povo". A frase está numa das comédias de Juvenal, que censurava ser essa a única preocupação da plebe romana, cuja ociosidade foi uma das razões do declínio do Império dos Césares.

E o incrível é que essa frase está até os dias de hoje tão vívida na nossa civilização, mesmo sendo moderna, mesmo já termos ido à lua, mesmo com tanta tecnologia, estamos mais e mais vivendo num gigantesco circo, onde várias atrações nos são expostas, muitas delas absurdas e bizarras como no coliseu da Roma antiga. Nos deparamos com coisas fúteis e inúteis que nos são ofertadas a preços muitas vezes absurdos. Vivemos ainda em castas sócias, da mais alta a mais baixa, dividas por status sociais como na antiga Roma.

Vivemos o circo de escândalos políticos, celebridades instantâneas (que não tem realmente nada de interessante ou relevante em suas trajetórias de vida que nos possam acrescentar algo de bom), e continuamos encantados e sem nenhuma reação ao vermos os gladiadores modernos que se valem do discurso inútil, promessas impossíveis de cumprir, mentiras cada vez mais escandalosas ou simplesmente exibem um corpo sarado fazendo caras de maus ou poses de deusas. Até quando iremos continuar engolindo os comerciais apresentados na televisão, os discursos políticos mentirosos, as cpis (que não resultam em nada ), as canções cada dia de mais mau gosto?

Existem pessoas no mundo todo que realizam excelentes trabalhos em todas as áreas desde a cultura a assistência social, mas estamos cada vez mais paralisados com espetáculos circenses, gastamos mais tempo em frente à tv vendo as gatinhas com camiseta molhada, o tira a roupa das novelas, que deixamos de buscar o fundamental para nós seres humanos que é o conhecimento e a evolução pessoal e social. Até quando continuaremos a assistir espetáculos circences de mau gosto? E viva o bom e velho circo e a todos os palhaços que continuam fazendo brilhar o riso inocente na boca das crianças!

As eleições, às vezes, remetem-nos ao passado. Na Roma da Antigüidade Clássica, César dava à massa pobre e faminta os espetáculos vividos no Coliseu —a política do Pão e Circo. Ao povo fornecia-se pão, para saciar a fome, e shows de combates entre gladiadores, para saciar a mente. A massa, por conseguinte, dificilmente se rebelava contra os governantes do Império, uma vez que estava alimentada tanto física quanto espiritualmente.

Pode parecer disparatado, mas no Brasil de hoje, também acontece a política do pão e circo. Entretanto, ao invés das batalhas entre gladiadores e das carreiras de bigas ou trigas, temos os showmícios, futebol e Carnaval, dentre outros circos. A diferença básica existente na política original é que os Romanos recebiam pão; no Brasil, a fome mata.

E o que mais precisam? Tendo isso, eles não querem mais nada. Não têm perspectiva, não têm objetivos grandiosos. Querem só comer e se divertir. Assim cresceu o império romano. Pão e circo. Educação, não. Educação é prejudicial. Educar o povo é abrir seus olhos para a podridão que já causa vômitos nos que a compreendem, mas são minoria. Uma minoria esmagada por um exército de iletrados que continuam sorrindo com um pão sujo na mão, um circo armado e nenhuma visão.

Quando as autoridades promovem o circo —modernamente sem o pão, já que este ficou muito caro— e lhe dá nomes como Noite da Seresta, Canta MS e outros que tais, douram uma pílula que, quando engolida, só provoca dor de barriga. Falta planejamento, falta cuidado, falta eficácia. A Noite da Seresta da sexta-feira, 28 de agosto, não foi diferente.

Mesmo existindo já há nove anos, o evento continua com os mesmos problemas de trânsito que existiam no último ano do século passado, quando foi criado. Ainda não teve uma alma mais criativa para resolver os problemas da circulação na área. Construiu-se uma "concha acústica" que tem graves problemas, a começar pela altura do palco, inadequada para a visibilidade de quem assiste aos espetáculos, notadamente quando a platéia é grande.

Na sexta-feira foi o caos de verdade. Faltou energia elétrica para tocar a iluminação e o sistema de som —e olha que foi contratada uma empresa especializada nesse tipo de trabalho, a Poit energia, especializada em unidades móveis de geração de energia elétrica. O som foi ruim durante todo o espetáculo. O trânsito estava péssimo e a Agetran nada fez pra melhorar e facilitar a vida das pessoas.

Mas nem tudo foi tão ruim. Com todos os problemas, ainda houve um bom espetáculo, graças aos dois artistas principais do concerto: Almir Sater e seu convidado Geraldo Espíndola. Ambos foram extremamente amadores, não no sentido pejorativo do termo —geralmente entendido como não domina ou não consegue dominar a atividade a que se dedicou—, mas na qualidade de quem ama, que gosta muito de alguma coisa e a realiza como amor. Fosse Sater um desses profissionais empedernidos, não teria cantado daquela maneira. E não se poderia tirar sua razão: afinal, cantar e tocar naquelas condições é muito difícil. Sater e Espíndola demonstraram um grande amor pela sua arte e pelo seu público.

Devia haver algo em torno de três mil a quatro mil pessoas na Praça do Rádio naquela noite —não acredite em veículos que contaram dez mil pessoas; não cabem dez mil ali. Eram três mil ali comprimidos sem qualquer apoio dos funcionários da Prefeitura de Campo Grande, promotora do espetáculo. E nem podia: estavam todos muito espevitados no camarote oficial, debatendo platitudes e falando mal da vida alheia.

Desde sempre não há qualquer esquema pra facilitar a vida dos espectadores, que ficam apertados sem um esquema de circulação, sem uma sinalização decente, sem uma infra estrutura a não ser banheiros malcheirosos, e sem alguém pra fiscalizar vendedores ambulantes e camelôs, que vendiam sanduíches, pipoca, cerveja, refrigerantes a preços escorchantes.

Assisti ao show como quem está num inferno com trilha sonora. Aliás. foi apenas esta que valeu a pena: a trilha sonora proporcionada por Almir Sater e Geraldo Espíndola, ótimos como sempre. Tem gente que chama aquilo de lazer; eu penso que não passa de tormento. O pão era muito caro, o circo estava com a lona rasgada, o picadeiro não tinha serragem e o palhaço era uma melancolia só.

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