sábado, 18 de julho de 2009

_Mesmo assim, valeu Pedrão

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Resposta a Pedro Bial pela crônica “A bola, a protagonista da Copa” (Jornal Nacional, Rede Globo, 20 de junho de 2006.

Enfim, alguém se lembrou de mim. A bola: a protagonista da Copa do Mundo. É este o texto de abertura: “presente em todos os campos, disputada por craques do mundo todo, vigiada pelos telespectadores e temida pelos goleiros, a bola deixa de ser coadjuvante para ser o destaque do Mundial”.

Era o Jornal Nacional, o de maior audiência na tv. Todos o vêem. Todos se informam por ele. E era a voz suave e delicada da bela Fátima na cabeça: “sem ela não tem jogo. É a única estrela desta copa que está presente em todos os campos. As câmeras não a perdem de vista em nenhum momento”. Terminava com ela chamando o Pedro Bial, o autor dessa rara crônica televisiva.

Ouvi tudinho, muito atenta: “Quieta é bonita. Inofensiva. Em movimento é linda... e fatal. Teamgas: espírito de equipe; para os goleiros espírito de porco. Lehmann, o homem-muralha alemão reclamou. Ela é rápida e escorregadia, péssima para os goleiros. Feminina, não se deixa agarrar facilmente. Dida prefere apará-la em dois tempos a encaixar. Não dá pra confiar. Ela adora velocidade. Afogueada, prefere o jogo rápido. Seu corpo não tem começo nem fim. Impermeável, 14 gomos sem costura, 69 cm de diâmetro, quando está cheinha pesa 444 g. Leve e travessa, sabe ser obediente a quem parte pra cima. Afinal, são os artilheiros o melhor caminho entre ela e seu desejo, feitas uma pra outra: a bola e a rede”.

Foi tão bonito que acabei me lembrando de um outro raro momento da minha vida esférica. Por um momento, ninguém entendeu. Por que Pelé não passou? Por que atirava de tão espantosa distância? E o goleiro custou a perceber que era ele a vítima. Seu horror teve qualquer coisa de cômico. Pôs-se a correr, em pânico. De vez em quando, parava e olhava. Lá vinha a bola. Parecia uma cena dos Três Patetas. E, por um ó, não entra o mais fantástico gol de todas as Copas passadas, presentes e futuras. Os tchecos parados, os brasileiros parados, os mexicanos parados só viram a bola tirar o maior nó da trave. Foi um cínico e deslavado milagre não ter se consumado esse gol tão merecido. Aquele foi, sim, um momento de eternidade do futebol. Naquele momento, fui ágil e traiçoeira. Passei raspando e neguei a Pelé o gol dos gols.

Mas Pedrão, dizem os alfarrábios do futebol que eu, a bola, serei esférica, terei de couro ou outro material adequado (o que quer que signifique “material adequado”), terei peso não superior a 450 gramas, quando parto do grande circulo no momento zero —levinha, levinha para os craques— terei uma pressão equivalente a no máximo 1,1atmosfera (1100 g/cm2) ao nível do mar (ah! as ondas do mar) e, preste atenção Pedrão, terei uma circunferência não superior a 700 mm e não inferior a 680 mm e não 69 centímetros de diâmetro.

Ah!, Pedrão. Depois de dizer coisas tão lindas a meu respeito, você quase pôs tudo a perder. Me senti enorme, gigantesca, gorduchona e não gorduchinha, como me costumam chamar. Quem jogaria comigo?, uma enorme esfera com bem mais de meio metro de altura. Meu caro, 69 (que número mais lascivo, você percebeu?) centímetros é bola para os filhos de Gaia e Urano, os titãs —sou pequenina, meu diâmetro não passa de meros 22 centímetros, sou apenas palmar. E ainda assim dou muito trabalho, principalmente àqueles que não têm muita intimidade comigo.

Seu texto está lindo, embora às vezes resvale para a pieguice —mas pra quem fica parado em frente um televisor, tá ótimo. Chorei, porém, quando me dei conta do seu erro. Mesmo assim, obrigada. Valeu o esforço. E, por favor, se puder o corrija.

Assinado

A Bola.


“psicografado” por
Luca Maribondo
jornalista

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