segunda-feira, 6 de julho de 2009

_Chore!... É assustador

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Deu na "Folha de S.Paulo" de domingo passado, 5/jul./2009: "SP já possui uma câmera para cada 16 habitantes". Não sei a proporção existente em Campo Grande (e penso que ninguém sabe!), mas não deve ser muito diferente. Em qualquer lugar que a gente vá —lojas, bancos, supermercados, padarias, lupanares e até borracharias—, é quase certo que encontrará a plaquinha com os indefectíveis dizeres: Sorria!, você está sendo filmado. A lente de uma câmera impassível fixa nas pessoas um olhar vítreo, sem expressão. Ao contrário dos olhos humanos, nem pisca. O que fazer? Sorrir? Não! Iria parecer tão artificial quanto as pálpebras metálicas daquele olho de vidro. Eu fico muito assustado quando vejo o diabo do aviso e sempre penso no que a frase realmente significa. É fácil compreender a parte que diz "você está sendo filmado" —é uma mera advertência, mas o “sorria” me deixa confuso, paranóico. Se fosse um "atenção!, você está sendo filmado", seria mais fácil de compreender, ou até um “não faça merda porque estamos te de olho em você!". Mas “sorria” soa a sacanagem...

O que a câmera iria pensar de mim? Espero que não venha a público minha obsessão pelos traços e riscos da expressão. Resquícios de uma mocidade fotografando imagens que passaram incógnitas por não serem retratos falados. Desenho retratos mentais como distração. Olho fixamente tudo e todos, descobrindo a feiura e a beleza. Se no passado nossa imagem permanecia na memória passageira, hoje praticamente todos os registros são permanentes. O que a gente escreve fica perpetuado na memória do computador ou na rede mundial, na Web, que não por acaso quer dizer teia. Pode ser copiado, replicado, duplicado, multiplicado, transmitido online. O teclado vibra com o tlec-tlec das teclas, como uma escrita com batuque, letras e letras formando textos dos quais nem me lembro mais.

Estou sempre dizendo que esta é a era da imagem —a imagem reina absoluta. Se você parar um minuto para pensar vai ver que a imagem reina sobre todas os meios e formas de comunicação: o meio de comunicação das massas é a tv (ainda!, mas logo, logo, será o telemóvel); o meio de comunicação das elites é a Internet; com a multivariedade dos veículos, ambos embasados na imagem. A publicidade é cada vez mais imagética, a partir do momento em que os publicitários não têm mais para o quê apelar diante da infinidade de produtos similares —a maioria nem sabe mais escrever mesmo. Ou seja, antigamente, quando existiam duas ou três marcas de cada coisa, era mais fácil convencer as pessoas a comprar este ou aquele produto simplesmente elencando as vantagens de um ou a exclusividade de outro: Melhoral é melhor e não faz mal! Omo lava mais branco! Se é Bayer é bom! Skol, a primeira cerveja em lata do Brasil! Agora, muitas vezes a publicidade precisa apelar para o non-sense da imagem: carros que se transformam em robôs; jogadores de futebol que saem de tampinhas de refrigerantes; o presidente dos EUA bebendo cerveja no Brasil e outros apelos estritamente visuais e malucos.

Mais: a televisão contaminou com o vírus da imagem todos os outros meio de comunicação. Os jornais são cada vez mais calcados nas fotos coloridas, nos infográficos, nos esquemas e desenhos do que na informação escrita. O cinema há muito perdeu sua função artística e política em nome de uma estética de videoclip, estruturada a partir efeitos especiais. As revistas são vitrines, lunetas se preferirem, para que a escumalha possa espionar a intimidade das celebridades, invadir o privado como quem participa de um sarau. Só o rádio passou incólume —mas o que é a tv de hoje senão rádio com imagens?

Se os obcecados por imagens se contentassem só com isso já seria ruim, mas eles agora descobriram outra utilidade paras as suas câmeras indiscretas: invadir todos os lugares possíveis e imagináveis através dos seus implacáveis olhos. Nos EUA, lojas de departamentos e roupas instalaram câmeras nos provadores. Quando alguns clientes descobriram o atrevimento, processaram as empresas e... perderam! Os juízes entenderam que os comerciantes têm que se proteger dos ladrões, e que o registro em tempo real do que se passa numa cabine de troca de roupa era uma boa arma para isso. Azar de quem não é ladrão. Por aqui, está cada vez mais difícil entrar num estabelecimento comercial sem se deparar com o horripilante "Sorria!, você está sendo filmado!". Porém como empresário brasileiro não tem o dinheiro sobrando, como seu colega norte-americano, fica a dúvida de que a câmera não está realmente só na imaginação do autor do aviso —além das câmeras falsas, criadas só pra te assustar—, mas é bom não arriscar.

Por outro lado, a vigilância sobre os cidadãos, pobres mortais, pode ir muito além daquela mostrada em filmes como "Inimigo do Estado", dirigido por Tony Scott, no qual um advogado (Will Smith) é caçado, vigiado e filmado: o que quer que faça ou aonde quer que ele vá, câmeras estão lhe filmando —e, também, muito além da própria imagem. Faz já algum tempo, a Comunidade Européia vem denunciando que os EUA monitoram ligações telefônicas e mensagens trocados em todo mundo através de um complexo programa de vigilância denominado Echelon, um monstro feito de muitos computadores e pelo menos cinco bases —a base que monitora as ligações e e-mails do Brasil fica em Segar Grove, a 250 km de Washington, a capital dos EUA—, capaz de fazer três bilhões de interceptações por dia.

Echelon —uma espécie de Big Brother (o do George Orwell) do terceiro milênio— é uma estrutura que a todos espiona. É controlado pela Agência de Segurança Nacional —NSA na sigla em inglês— dos Estados Unidos e seus “sócios” da Inglaterra, Canadá, Austrália e Nova Zelândia. Segundo os relatórios que estão sendo analisados pelo Parlamento Europeu, o projeto tem como principal objetivo interceptar todas as comunicações mundiais em quaisquer locais do planeta —sejam essas conversas telefônicas, faxes, e-mails, telex, mensagens de pagers ou qualquer outra modalidade de comunicação eletrônica. Esse programa espião "filtra" palavras ou grupos de palavras que possam denotar algum perigo à segurança nacional dos EUA. Rastreia todos os satélites de comunicação, comunicação por cabo e ondas. Qual seja: potencialmente somos todos vigiados pelos que se auto-intitulam gendarmes do planeta.

Resumindo, se você escrever ou falar ao telefone algo que o sistema considere potencialmente perigoso, todo o conteúdo da sua ligação telefônica ou do seu e-mail será devidamente armazenado. Isso quer dizer que, pelo simples fato de eu ter citado o Echelon, você e eu estamos sendo vigiados: somos duas pessoas altamente suspeitas! Sendo assim, como manda o cartaz, sorria e pense que, se por um lado toda essa vigilância é uma invasão tremenda de privacidade, nos momentos de solidão sempre se pode tirar o fone do gancho e mandar um alô para os norte-americanos. O povo do Echelon vai vibrar de felicidade...

É possível que o "Sorria!, você está sendo filmado!" seja uma referência a Andy Warhol, o pai da arte pop que mudou a arte nos anos 1960 com suas imagens, alcançando grande celebridade ao transformar uma latas de sopa e histórias em quadrinhos em obra de arte: ele já falava sobre a cultura pop em que todos um dia terão seus quinze minutos de fama. Sorria!, pois você é a celebridade da hora, quando sua imagem viaja a partir das câmeras e através dos cabos para o deleite de porteiros, vigias e seguranças que, voyeristicamente, estão de olho em você. "Sorria, pois aí estão seus quinze minutos de fama". E não faça merda!

Pode ser também que a onipresente advertência represente a alegria que devemos sentir ao saber que essas pequenas câmeras nos protegem de eventuais contraventores —muitas delas falsas diga-se novamente a bem da verdade. O que é algo no mínimo interessante. Isso significa que chegamos a um ponto em que precisamos nos vigiar para não se fazer bobagem. Uma sociedade que precisa ser controlada pelo Big Brother —ou Mano Véio— e ainda mostrar os dentes de alegria por isso é um completo fracasso em termos de civilização. "Sorria, pois ainda somos um bando de símios que não aprendeu a viver socialmente".

Ou então signifique apenas que seja uma piadinha de alguém que se ache realmente criativo. Provavelmente aconteceu o seguinte: numa conversa de bar, depois de muitas cerveja, alguém disse para o dono de uma gráfica, por que não fazer um paralelo com o "sorrir pra câmera" com as câmeras de vigilância? Todos caíram na risada e acharam uma ótima idéia. Foi aí que surgiram as placas "Sorria, você está sendo filmado". Coincidentemente nessa mesma conversa devem ter surgido também os adesivos "Sou feliz por ser católico!", "Xique no úrtimo", "Sou viciado em Jesus" e por aí vai. Mas sorria, fizemos uma piadinha infame! Ou melhor, chore!, porque é assustador.

Um comentário:

Marcos Benitez disse...

Vou sorrir e Mandar a Cia, a Nasa e o Escambau de Bico a merda. Não sei o que é pior, viver achando que o mundo é rosa, ou saber dessas coisas e constatar nossa total filhadaputisse.