domingo, 3 de maio de 2009

Disseminação da ignorância

Se há algo de realmente incômodo na leitura de jornais e revistas (em papel ou no computador), na espectação de telejornais e na audiência de radiojornais é a prática dos redatores do jornal de colocar entre parênteses o significado de algumas palavras, porque as consideram “difíceis”, complexas, intricadas (intrincadas), obscuras ou sei lá o quê.

Há muito tempo —há anos, calculo eu— tento descobrir quais são os critérios desses "jornalistas" para “traduzir” para nós, ignorantes leitores-espectadores-ouvintes, o significado de algumas palavras. Certamente não é a dificuldade que temos em entendê-las. Sempre digo que não existem palavras "difíceis", mas palavras conhecidas e desconhecidas. Pra que existem dicionários?!

Usando mecanismos de buscas genéricos ou específicos de alguns veículos de comunicação procurei algumas, escolhidas aleatoriamente: terraplenagem —para a qual há ocorrências com a grafia incorreta de terraplanagem—, predecessor, convescote, lábaro, griffe —pergunte a dez pessoas, onze não saberão o significado de griffe—, impeachment , abdução, clivagem, exotérico —na maioria das menções o redator está confundindo com esotérico, que é exatamente o contrário. Nenhuma delas tinha o significado entre parênteses nos veículos de comunicação, apesar de serem palavras de uso pouco comum. E nem os narradores dos telejornais tentaram explicar, como fazem comumente.

Mas não tem vez que, na tv, rádio ou jornal, a gente não ache as palavras dolo ou doloso e não venha lá um cretinozinho explicando para nós, pobres ignorantes, que dolo significa a deliberação de violar a lei, por ação ou omissão, com pleno conhecimento da criminalidade do que se está fazendo. Outra palavra que sempre nós explicada é chanceler, quando o noticiário se refere ao chefe do governo alemão: la vem de novo o cretinozinho explicando, a nós outros que somos lorpas, que na Alemanha chanceler não é ministro do Exterior (como no Brasil), mas premiê. Interessante notar que os veículos não traduzem “Secretário de Estado” (EUA) para premiê. Afinal, nos EUA o cargo equivale a ministros das relações exteriores em outros países.

Muitas outras palavras de uso mais corriqueiro ganham tradução nos textos do jornais. Em priscas eras, nos tempos da Guerra Fria, tinha “a” KGB, que a midia nos informava ser a polícia secreta soviética. E aí cometia logo dois erros de uma só vez: primeiro, que não era simplesmente a polícia secreta coisíssima alguma, mas algo bem mais complexo, quase um Estado dentro do Estado; depois que KGB significava Komitet Gosudarstvennoy Bezopasnosti (Комите́т Госуда́рственной Безопа́сности) —em português, Comitê de Segurança do Estado—, e, se era um comitê, KGB não deveria ser “a” KGB, mas “o” KGB, certo? Afinal, em português, comitê é masculino... Ou não?!

Fico extremamente incomodado com a colocação do significado de algumas (muitas, na minha opinião) palavras entre parênteses, até porque os redatores também se mostram muitas vezes bem ignorantezinhos. Me considero vilipendiado, achincalhado com essa atitude dos redatores, editores, copidesques, escrevinhadores, ou seja lá o que for, do jornal. Penso que estão subestimando minha sapiência, minha conhecença e minha inteligência. É como se me dissessem: veja, seu idiota!, como você é mesmo um iletrado, estou te dizendo o significado dessas palavras.

Tenho certeza de que não sou o único leitor-espectador-ouvinte que se sente desta maneira. Essa é uma atitude muito arrogante do jornal e dos jornalistas, que poderia ser solucionada de outras maneiras. Por exemplo: poderiam criar um dicionário nos mesmos moldes dos manuais de redação de alguns veículos, que seria distribuído aos distintos leitores. Claro que o dicionário teria que ser tratado com mais cuidado, para evitar os erros dos manuais.

Parênteses para mostrar alguns exemplo: 1) no Manual de Redação da Folha a cidade de Ladário foi colocada em Mato Grosso num mapa; o mesmo MRF considera que siglas e acrossemias (acrônimos —vingança!) são a mesma coisa —mas uma coisa nada tem a ver com a outra. No Manual do Estadão, o autor garante que "lista" e "listra" são a mesma coisa; nem os jornalistas do Estadão obedecem essa regra. No Manual de Estilo da Editora Abril está escrita essa belezura: "Grama – Usamos no feminino: a grama de ouro, duzentas gramas de queijo. Gramáticos e puristas entendem que a palavra é masculina, mas isso não corresponde à realidade da língua falada no Brasil. Por isso, adotamos a regra do bom senso." Bom senso de quem? Sou brasileiro, e aprendi em casa que grama erva é feminino e grama peso é masculino —e meus irmãos e meus pais assim usavam as duas palavras. Todo os que eu conheço, também.

Não pense que não aprecio os manuais de redação dos veículos. Eles são os meus guias de texto. Como não escrevo tão bem quanto os redatores dos jornais e assemelhados, tenho-nos sempre ao meu lado para me auxiliar quando redijo. Os pequenos erros existentes neles são quase perdoáveis —quem não erra, né?

Mas já que insistem em nos informar da nossa ignorância, sugiro algumas fórmulas menos agressivas. Penso que há algumas soluções para esse problema. Por exemplo: os veículos de comunicação de massa poderiam criar um dicionário nos mesmos moldes dos seus manuais. Poderiam ser chamados Dicionário dos Ignorantes ou Pai dos Burros.

Se o dicionário ficar caro (e vai ficar!), a mídia poderia criar glossários ao final de cada caderno ou programa noticioso, contendo aquelas palavras que os escrevinhadores do jornal consideram “difíceis” para seus desletrados leitores e/ou telespectadores. Tenho até sugestões de títulos para os glossários: Painel do Analfabeto, Caderno dos Abestalhados, Página dos Atolambados etc. etc.... Ou Acertamos (em contraposição aos Erramos que muitos usam).

Não compreendo o porquê das acepções entre os parenteses. Elas me servem pouco ou nada, até porque eu não confio nos significados que os jornalistas escrevem; prefiro recorrer aos dicionários, o que faço sempre que sinto necessidade —tenho dicionários e enciclopédias espalhados por toda a minha casa e mais quatro instalados no computador em que escrevo estas bem-traçadas. E o faço desde criança. E é o que, imagino, que façam a maioria das pessoas.

Jornalistas parecem estar sempre apostando na ignorância de quem os lê ou assiste. Jornalistas não são donos da informação. Jornalistas não são donos do saber. Na minha opinião, são os principais difusores do conhecimento, é verdade; mas também são os mais completos disseminadores da ignorância.

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