sábado, 28 de outubro de 2006

Duvidoso I e Duvidoso II

Dia desses, minha irmã Eloysa, que mora no Rio de Janeiro, em Copacabana, me escreve dizendo que "estou perdida para esta votação. Você que é um cara politizado, me ajuda aí. Eu tenho horror ao Geraldo Alckmim e ao Lula da Silva, nunca votei nele e sabia que ia dar nisso". Não sei se posso te ajudar, respondi, e completei argumentando que estou tão ou mais perdido que ela e vejo que não adianta nada ser "politizado" (até porque nem sou tão politizado assim) neste momento. Na verdade, penso que estamos entre o Tinhoso e o Capiroto. Isto é, não temos escolha porque os dois simplesmente fazem parte da fina flor da baixa canalha.

A campanha chega ao final (faltam apenas dois dias para a votação no momento em que escrevo) e penso que nada há que possa ser de fato aproveitado. Os debates tão solicitados vieram, e o que se verifica é que servem pra muito pouco, na medida em que os dois candidatos mentem sem o menor pejo, chutam números com uma sem cerimônia fora do normal e se esgoelam em autolouvações. E nada falam de suas participações em maracutaias de toda sorte e nas suas incapacidades de gestão.

Os debates realizados pela televisão (quatro grandes redes, Bandeirantes, SBT, Record e Globo colocaram os dois candidatos ao segundo turno frente e frente) foram festivais de números fajutos declamados pelos dois postulantes (eles falam muitos números, coisa com a qual em geral a mídia não sabe lidar e povo esquece logo depois que ouve, mas não há uma grande idéia sequer). O presidente nem sabe a taxa de juros, embora seja assunto praticamente cotidiano nos jornais. Alckmin não sabe aproveitar para responder à altura. Aliás, é possível que não exista no Brasil outro político com tanto talento pra ignorância.

No âmbito do horário eleitoral gratuito a tortura aos números invade o que ambos falam. No debate da Bandeirantes, uma semana após primeiro turno, Lula da Silva gabou-se de ter criado 7 milhões de empregos. Quatro dias depois, ao começar o horário eleitoral gratuito, já eram 7,5 milhões (cifra usada até o final da propaganda eleitoral, encerrada na sexta-feira, 27 de outubro). Meio milhão de novos empregos em quatro dias é mesmo para dizer: nunca neste planeta ou em qualquer outro se criaram tantos empregos em tão pouco tempo. Pena que os dois números sejam enganosos.

Quando da sabatina com Lula da Silva, realizada pelo jornal "Folha da S.Paulo" no Palácio da Alvorada, o presidente —conta Clóvis Rossi, colunista do jornal paulista, que estava presente à entrevista— "tinha sobre a mesa uma porção de colas com números e fatos de seu governo. Uma delas mostrava que a média mensal de criação de emprego estava em 102 mil e quebrados (não deu para ler a centena). Multiplique-se 102 mil por 48 meses e dá 5 milhões, arredondando para cima, pelos quebrados. Como é que o eleitor pode vigiar os candidatos se ambos se revelam uma usina de chutes e nós não temos como conferir?"

Lula da Silva mente até em pequenas coisas, o que dirá nas grandes! Por exemplo, em seu programa eleitoral, ele garante que é o único presidente da República cuja origem é do povo. "Lula tem alma do povo", nos tentam nos enganar os apresentadores do programa do presidente-candidato. Não é verdade; sem pesquisa, me lembro de dois: Floriano Peixoto (que sequer pode ser criado pelos pais, foi educado por um padrinho e um tio) e Juscelino Kubitschek. Ambos nasceram e foram criados em famílias humildes. Estudaram e subiram na vida até chegar à Presidência da República —e, com certeza, não foram os únicos. A diferença entre Lula da Silva e Peixoto e JK é que os dois últimos estudaram (e muito!) e o presidente permaneceu ignorante (do que ele parece se orgulhar muito, sabe-se lá o porquê).

Mas o que é, afinal, ser homem do povo? É a gente popular em designação corrente desde o século XVII, os pobres por oposição aos ricos, a gente da rua, de meia tigela, por oposição à gente da alta, à gente fina e de boas famílias no falar de hoje, o Zé-povinho ou patuléia, ralé —os outros em relação a nós, em suma. E sobre serem pobres, ainda massa analfabeta e apoucada de espírito. É o cidadão comum, a massa de manobra, em contraposição às elites tão odiadas por Lula da Silva.

Isso lá é motivo para o presidente cantar vantagem? Um homem-do-povo é melhor do que um indivíduo da elite? Uma coisa certamente nada tem a ver com a outra. Existem boas a más pessoas dos dois lados da cerca, com certeza. Três homens do povo marcaram profundamente o século 20: lembre-se de Josip Stalin, Adolf Hitler e Idi Amin Dada, um trio de celerados assassinados, bandidos abomináveis.

Stalin era filho de uma costureira e de um sapateiro; o jovem Stalin teve uma infância difícil e infeliz. Alois Hitler, pai de Adolf, era um modesto servidor da alfândega austríaca e teve dificuldades sérias pra criar o filho. Idi Amin Dada tem origens obscuras: sabe-se que nasceu em uma pequena tribo de camponeses muçulmanos de Kakwa, nas margens do Nilo e um dos distritos mais remotos de Uganda; foi um dos déspotas mais sanguinários da África, considerado culpado pela morte de dezenas de milhares de ugandenses. Três homens do povo, de origem humilde, três dos mais sanguinários ditadores de todos os tempos —mataram uma quantidade de gente que dava pra encher um país. Qual é então a vantagem de ser alguém "com a alma do povo"?

Aliás, que o leitor me permita uma breve digressão: Lula da Silva certamente nada tem de nazista (foi o ex-presidente professor Fernando Henrique Cardoso, líder de um dos piores e mais corruptos governos que já houve neste nosso sofrido país que ligou ao PT ao nazismo), mas ele tem muitas semelhanças com o líder dos nacionais-socialistas alemães de tão triste memória.

Veja: o mito do Führer, de um líder sábio e onisciente, que sabia o que era melhor para a Alemanha, também serviu como um poderoso elemento de integração. Suas principais funções eram a de gerar entusiasmo pelo regime e ocultar as contradições sociais latentes. Hitler era considerado como a personificação da "comunidade nacional", isto é, o homem com a alma do povo, o líder que transcendia aos interesses regionais e à política cotidiana, para se tornar a garantia da união nacional.

Creditava-se a Adolf Hitler —aliás, ele é que se dava esse crédito e a propaganda nazista a vendia para o povo— a recuperação econômica e a restauração do prestígio da Alemanha na área internacional. Quem me lê sabe que ecuperação econômica e política externa são dois carros chefes da campanha de Lula da Silva.

Ironicamente, até o final da II Guerra Mundial, Hitler era percebido como um "moderado", que defendia a ordem e a moral contra os fanáticos do seu próprio partido. É a mesma leitura que se faz de Lula da Silva em relação aos aloprados do PT. Ou quando ele diz que aparece mais corrupção hoje porque seu governo age mais contra os corruptos do que os governos anteriores. Repito, Lula da Silva com certeza não é nazista, mas que tem suas semelhanças com o pintor austríaco, lá isso tem.

Voltemos, porém, aos nossos dois candidatos à Presidência da República. No debate do SBT, assim como nos outros, inclusive o da Globo, o último a se realizado antes das eleições, ambos comprovaram que cifras, daqui e dali, dão consistência ao raciocínio, mas o excesso escamoteia a falta de profundidade. Lula da Silva chuta. Geraldo Alckmin também chuta —cada um mais alto do que o outro. Ambos, porém, não têm uma idéia-força: só discurso vazio. E pra isso não tem marketing que dê jeito.

Lula da Silva berra a todo pulmão e à exaustão pra gente não "trocar o certo pelo duvidoso". Sendo ele o certo, seu adversário o duvidoso. No fundo, no dia 29 vamos ter de optar entre o duvidoso e o duvidoso —duvidoso 1 e duvidoso 2. Lula da Silva é a prova viva de que nunca ninguém governou tão mal tão bem. Quando deixar o governo, agora ou daqui a quatro anos, não deixará pedra sobre pedra, mas podre sobre podre, tantas foram as maracutaias em seu governo. A turma do Lula da Silva anda se vendendo tanto, fazendo tanta maracutaia, que já deviam ter códigos de barra tatuados nas palmas das mãos.

Já Geraldo Alckmin realmente prova que têm razão aqueles que o cognominaram "picolé de chuchu". É insípido, sem graça, insosso, desenxabido. Mas tem uma qualidade: é reciclável —talvez a gente possa transformá-lo em corda de pára-quedas ou casquinha de sorvete se ele perder (o que parece quase certo a esta altura). É incrível, mas ele nunca mostra tanta incompetência como quando decide defender a sua.

Resumo da ópera: melhor não votar em nenhum dos dois. Pessoalmente, estou decidido a votar nulo. Quando procuro qualificativos para os dois candidatos me vêm uma porção de adjetivos à cabeça: acanalhado, bocório, chulo, escroto, espurco, inqualificável, mariola, mucufa, pífio, pulha, ribaldo, cafajeste, pelintra, tratante, vilão, zagorro e outros. Pode ter certeza, leitor/eleitor, os dois, como a maioria dos políticos, vão acabar correspondendo aos que não têm a menor confiança neles, seja lá quem for que vença a eleição neste domingo, 29 de outubro.

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De volta

Afastado um tempo deste blog, dei algum sossego aos meus poucos, mas fiéis, leitores. Agora estou de volta; e metendo o bedelho na campanha eleitoral e nas atitudes e comportamentos dos dois candidatos à Presidência da República restantes: Lula da Silva e Geraldo Alckmin.
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luca.maribondo@terra.com.br
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