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É inegável que se vive dias difíceis. A barbárie e a violência , em toda a sua plenitude , envolvem praticamente todas as sociedades do planeta —no Brasil, a barbárie é inegável e assustadora. As vítimas se contam aos milhares —lembra contagem de mortos e feridos em guerras . Ao se observar o quadro atual da violência urbana , muitas vezes os analistas não se atentam para os fatores que conduziram a tal situação .
A violência urbana tem ocasionado a morte de milhares de pessoas todos os dias , notadamente jovens —no Brasil, a maioria dos que perecem em resultado da barbárie são jovens de menos de trinta anos — é o principal fator de mortandade dessa faixa etária .
É claro que criminalidade não é um privilégio exclusivo dos grandes centros urbanos do país . Entretanto , o seu crescimento é largamente maior do que em cidades menores . Com certeza porque é nas grandes cidades brasileiras que se concentram os principais problemas sociais , tais como desemprego, ausência de serviços públicos , além da ineficiência da segurança pública .
Essa situação retrata a ineficiência do Estado , que não tem disponibilizado um serviço de segurança pública eficaz à sua população . Enquanto o poder do Estado não se impõe, o crime organizado se institui como um poder paralelo , que estabelece regras de ética e conduta própria , além de implantar fronteiras para a atuação de determinada facção criminosa .
Algumas cidades brasileiras apresentam um percentual de mortandade proveniente de atos de violência que equivale aos do Iraque ou outro país em guerra . O Brasil responde por 10% de todos os homicídios praticados no mundo , segundo dados de um estudo realizado a pedido do governo suíço, divulgado no ano de 2008, em Genebra .
No entanto , apesar da gravidade do problema , sente-se que falta vontade política no seu enfrentamento e, sobretudo , ideias que tenham uma dimensão prática que possam ser traduzidas em ações concretas. Há uma forte dicotomia entre duas vertentes : a dos direitos humanos e a da segurança pública , a ponto de o tema direitos humanos no Brasil com frequência ser associado , na opinião pública , a um discurso que ignora o problema da segurança e defende os bandidos e criminosos , sob alegação de motivos ideológicos.
A origem de tal oposição vem do fato de que a afirmação dos direitos humanos foi feita num momento em que o Estado , não só no Brasil, estava numa situação de totalitarismo , como o nazismo , ou com o socialismo totalitário; ou em situações de regimes militares , ditaduras .
A afirmação dos direitos humanos era , pois , a afirmação de direitos , individuais ou de grupos , diante de uma autoridade do Estado .
É como se fosse a defesa do indivíduo e dos grupos contra um poder que vem de cima . Foi nesse contexto que tudo se formou, com base nas denúncias de prisões arbitrárias, de tortura , do abuso da autoridade e da violência . Os direitos humanos se formaram nesse contexto , de defesa de direitos dos indivíduos diante de um poder externo , um poder autoritário de Estado . É nessa posição que a temática dos direitos humanos se firmou na nossa memória recente da segunda metade do século XX, depois da Segunda Guerra .
O que se percebe, sobretudo nas comunidades pobres do Brasil e da América Latina , é que o fato de viverem em tamanha insegurança implica uma perda efetiva dos direitos básicos associados aos direitos humanos . Ou seja, numa situação de insegurança , as pessoas têm dificuldade de liberdade de expressão . Sabemos da prática da lei do silêncio , como é chamada , a qual resulta justamente da profunda insegurança em que as pessoas vivem.
Se alguém é violentado ou tem alguma pessoa próxima agredida hoje no Brasil, o mais comum é que as pessoas próximas, ou a família , perguntem-se e acabem concluindo que não é negócio , não faz sentido chamar a polícia e a Justiça para ajudar . A última coisa que se faz numa situação dessas é pegar o telefone e chamar a polícia .
O direito básico , elementar de recorrer à Justiça , e de reportar uma violência da qual se foi vítima está eliminado pela insegurança . O direito de associação , por sua vez , é muito complicado em condições de insegurança . Em muitos bairros , vê-se, até mesmo , dificuldade do chamado direito de ir e vir . Existe, dentro de algumas das grandes cidades brasileiras, comunidades que , em certos períodos , vivem uma realidade de Estado de Sítio . Quer dizer , há horário para voltar para casa correndo o mínimo de perigo possível .
O que está em jogo é recuperar um sentido de segurança que seja reconhecido, e, portanto , legitimado, como um princípio viabilizador dos direitos e do desenvolvimento . Dos direitos num sentido bem pleno , não apenas daquele direito mínimo do exercício da liberdade individual , mas num sentido maior , de propiciador da superação de conflitos e contradições que são geradores de violência . Não há dúvida de que há um trabalho a ser feito , e há muito espaço para a sociedade civil , a universidade , as ongs e as igrejas participarem dele.
Voltaire tinha sua resposta , que era uma negação : "se essa fosse sua natureza , cometeria atrocidades , perversidades logo que conseguisse caminhar ; ele utilizaria a primeira faca que encontrasse para ferir qualquer um que não fosse do seu agrado ". Para Voltaire, o ser humano não é intrinsecamente bom nem mau . O que o faz perverso é a educação , o exemplo , o governo sob o qual vive. Pode-se deduzir da teoria de Voltaire que o homem torna-se mau por causa das condições em que vive.
A |
Pode parecer pura abstração filosófica, mas o fenômeno da violência , da barbárie , está aí , presente no cotidiano da sociedade nas questões que mais banais : a delinqüência juvenil ; os assassinatos motivados por roubos de pequenas quantias , objetos prosaicos ou mesmo por uma discussão com o motorista do táxi ; o domínio do tráfico e quadrilhas semelhantes (onde o fator humano só conta como consumidor de drogas e meio de enriquecimento); a violência doméstica , que castiga principalmente crianças e mulheres . Numa realidade em que a vida humana vale menos que uma pataca , a tendência é a crescente banalização do mal e da barbárie .
Luca Maribondo
Um comentário:
Muito boa sua abordagem sobre um problema crescente, que infelizmente, diz respeito a todos nós. Abraços Luca.
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