sexta-feira, 7 de maio de 2010

[Problemas da comunicação de perto]

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Sempre que ando pelas ruas, tenho a impressão de que hoje todo mundo —ou quase todo mundo— tem telefone portátil. Você sabe o que é um telefone portátil... São aqueles telefoninhos sem fio que são levados pelas pessoas no bolso da camisa, da calça, pendurado no cinto, na bolsa, na pasta, que o vulgo costuma chamar de celular e que em Portugal tem um nome mais prosaico, prático e próximo da realidade: telemóvel —bonitinho, né?! Telemóvel: coisa de português, povo que, de maneira geral, é mais criativo e sério que o brasileiro.


É até besteira dizer que esses aparelhinhos vieram para ficar. Isso é definitivo; vieram ha mais de cem anos e ficaram. Existem telefoninhos de muitos e muitos tipos diferentes: com capinhas, sem capinhas, grandes, minúsculos, redondinhos, quadrados, fofos, estranhos, pra jovens, pra coroas, que vibram (vibração que lembra até um outra geringonça mais pervertida, mas está é outra conversa...), que ficam parados, que pulam, com Internet, sem Internet, que tocam música, que nem tocam direito, coloridinhos, de uma cor só, que têm joguinhos, de modelos novos, de velhos, tijolões, que abrem, que dobram, que desmontam, iPhone, Motorola, Nokia, Samsung, dele, dela, do outro, chiques, bregas, kitsches e de muitos outros jeitos.


Tem celulares com rádio, com televisão, com computador, com câmera de tv, com câmera fotográfica. Alguns são tão emperiquitados que falam diretamente com satélites artificiais, são dotados de gps, falam diretamente com computadores que comandam coisas à distância no trabalho, em casa, no consultório —dá até pra mandar o cachorro calar a boca à distância. Tem alguns que até funcionam para dar e receber telefonemas.


Confesso que eu também tenho um telemóvel. Mas garanto que não gosto dele nem um pouquinho. Eu tenho também o orelhão —tem um bem na esquina da minha rua. Claro, o telefone público, o inefável orelhão. Todo mundo batendo papo nos seus celulares e eu procurando um orelhão. Eu uso o telefone público simplesmente pelo fato de que eu me recuso a virar um deles... um... bem, o que eles são mesmo? Uns celulólatras. Isso: celulólatra. Só uso celular (ou telemóvel) de vez em quando.


Eu me recuso a virar um celulólatra. Eu me recuso a ter que parar uma conversa para meter a mão na pasta em busca daquele treco que toca desesperadamente o What’d I Say do Ray Charles (ele toca Ray Charles porque se tem que tocar, que no mínimo toque algo que não seja tão irritante como a musiquinha de marinheiro que tem no celular de uma colega de trabalho). Eu me recuso a ter que trocar a capinha para combinar com a roupa. Eu me recuso a ter que ficar numas posições patéticas para que o negócio fique com sinal. Me recuso de ter de emprestar o meu lulinha (porque claro, ele precisa ter um apelido que seja melhor que céulo ou celula) para os amigos (poucos) descelularizados.


Também me recuso a escrever mensagens com aquele teclado infernal em que você precisa apertar uma tecla 15 vezes para sair a letra que você quer. E eu me recuso especialmente de ter que pagar a conta (que acreditem em mim, seria gigantesca) no final do mês ou então de comprar aqueles cartõezinhos de recarregar o telefone pré-pago. Então pronto. Fica só o orelhão e eu. Celular só de vez em quando.


Claro que eu até gostaria de ter um celular nas horas de apuro, como por exemplo para combinar um programa de última hora com os amigos ou pra avisar a Mary, minha mulher (que, exagerada!, não tem um, mas tem dois celulares), que vou chegar mais tarde em casa depois de uma tarde/noite de libações etílicas. Ou ainda pra chamar alguém pra me ajudar a trocar pneu furado altas horas da noite.


Segundo as estatísticas mais recentes, existem mais de 175 milhões de celulares ativos no Brasil —sempre que leio este número, acho que estão exagerando, mas é o que consta da mídia —e quem sou eu pra duvidar dos meios de comunicação de massa? Hoje, gente que não tem celular quer ter. E não é só gente, não! Bichos também. Thera e Drina, minhas duas cadelas, ficam extremamente agitadas e correm pra perto dos celulares aqui de casa, quando estes tocam ou vibram.


Voltemos, porém os pedidos de ajuda via celular: pra isso, porém, acho que as pessoas não deveriam ter um celular... Elas deviam ter sim um chipezinho implantado no crânio —saiba que isso já é perfeitamente possível. Um censor que capte todos os sinais de alguém pensando em fazer/pedir algo a você: Opa! A Álvara quer combinar um programa! O Genésio quer formar uma roda de truco... A Geninha quer sair pra dançar... O pai do Frodo caiu da escada... E assim por diante.


Mas não pense que é só... Ah não!! Este chip também serve como uma agenda automática que você nem precisa saber de algo (como um aniversário, algo que precise comprar no supermercado, o nome da cartomante, o horário de uma festa etc.) e ele já te avisa: “Amanhã tem o aniversário do Pimenta da padaria... Quando você for comprar o presente dele, vê se não esquece de comprar batatas, que acabou.”


Além disso, quem quiser pode comprar um pacote muito popular especialmente para os jovens que faz você lembrar de fatos históricos e faz você saber todas as respostas matemáticas: “x13 + (675 : 43332) - y/1098 : -z + 234 . 4486236712 = 525,000093”. Outro special feature que você pode adquirir é tele-transportação (ou teleportação), que provavelmente não precisa de uma explicação. Ou ainda um software que te ajude a escrever emails apaixonados, indignados, ternos, altivos ou quaisquer outros estados de espírito que tome conta do seu ser.


Nada tenho contra a comunicação moderna —afinal sou um profissional de comunicação. Mas tanta facilidade de comunicação às vezes aborrece, até porque existe hoje uma enorme parafernália eletrônica para as pessoas se comunicarem e de que isso adianta? Depois que a tecnologia inventou telégrafo, telefone, rádio, televisão, celular, email e todos os outros meios de comunicação à distância, é que se está descobrindo que o maior problema de comunicação não é o de longe mas é o de perto.

Luca Maribondo, texto
Diana Dong, ilustração

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