terça-feira, 30 de março de 2010

[Busca da liberdade]

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Sou um viciado em Internet. Sou mesmo. Eu a uso no trabalho, na comunicação, no lazer, no ócio, no aprendizado... É um vício ora saudável, ora vicioso, com o perdão pela redundância. Mas tem horas em que penso em abandonar a rede mundial de computadores. Penso mesmo. Penso principalmente em mandar as ecartas (isso que a patuléia ignara chama de email) às favas. Sem que eu peça, tem gente me enviando as propostas mais cretinas e absurdas —isso que o vulgo chama de spam, mas não é bem isso.


Principalmente no que se refere a sexo: todos os dias checo minhas caixas postais eletrônicas e descubro, quase sempre com espanto, propostas de sítios pornográficos que me oferecem os mais indescritíveis despautérios eróticos. Por exemplo: um me oferece acesso irrestrito a um acervo de mais de duzentas mil fotos de adolescentes belgas, pela bagatela de 69 euros mensais. Nada tenho contra as mulheres belgas, mas o que posso fazer aqui na Guaicurúndia com mulheres dos Países Baixos?


Logo em seguida, vinha outra mensagem eletrônica que me alertava para a imperdível promoção de outro sítio, cujo mote de oferta eram filmes e vídeos nos quais mulheres grávidas apareciam copulando com cães, cavalos, jumentos e outros mamíferos. Logo adiante, surgia nova ecarta, esta me oferecendo acesso gratuito a fotos de garotas bielo-russas, mauricianas e ugandenses em práticas sadomasoquistas, tipo fisting e chuva dourada (não me pergunte: eu não sei o que significam estas expressões!).


Outro sítio me manda cartuns com personagens famosos das histórias em quadrinhos e dos desenhos animados em situações, digamos, pornográficas —algumas até divertidas. Tinha desenho da Branca de Neve praticando um guloso blowjob no Príncipe Encantado; o Pato Donald fazendo sexo anal com a Margarida e o Fantasma praticando cunilíngua na estonteante Diana, além da Madrasta beijando sua enteada Cinderela na boca —ambas nuas.


Como se tudo isso não bastasse, achei em minha caixa de mensagens uma carta de apresentação de autoria de uma suspeitíssima agência de viagens que prestava serviços no intuito de facilitar a vida de turistas interessados em usufruir dos préstimos de garotas de Bangladesh. Banglasex Tour, a referida agência, providenciava tudo: desde os meios para tornar todo o processo o mais discreto possível até o sabor das calcinhas usadas pelas meninas, além de camisinhas com sabores variados e música country.


Dito tudo disso, concluímos que a rede mundial de computadores globalizou e vulgarizou o sexo —os sítios eróticos e pornográficos são, de longe, os mais procurados pelos internautas —e transformou-o em bem transnacional, transcendente de fronteiras. Apesar de todo o avanço tecnológico da rede mundial de computadores, o sexo continua sendo o grande apelo pra muita gente. Não é que sexo hoje seja muito diferente do que era há cem anos; a diferença é que hoje ninguém mais liga pra fechar a janela. O que acabou vulgarizando o sexo.


Nada tenho contra a globalização do orgasmo; tampouco ao que se refere à atuação da web (que se traduz para teia, que remete a aranha, que lembra...) em tal processo. O gozo desconhece razões de Estado, fronteiras nacionais e mediações diplomáticas. Com efeito, toma parte nessa bagunça toda —ou tal “festa”— quem quer. Mas eu não quero... Nem sempre quero (não sou moralista e gosto de sexo, como quase todo mundo) —mesmo assim recebo ecartas sobre adolescentes belgas, prostitutas mauricianas e modelos ugandenses e bielo-russas. Para quem goza nenhuma explicação é necessária —para quem não goza nenhuma explicação é possível.


Pelo que sei, não disponibilizei meu endereço eletrônico em nenhum website pornográfico. Ignorante que sou, desconheço os novos métodos de marketing e propaganda em voga na dinâmica marketeira da Internet —principalmente a que se refere ao marketing eletrônico. Tenho, todavia, a certeza basilar de que tais métodos não gozam da prerrogativa de desrespeitar o indivíduo comum e desinteressado nas lascivas propostas oferecidas por tais sites. Estão vulgarizando o sexo ao extremo —pelo andar da carruagem, os sítios sexuais da rede vão conseguir em meia dúzia de anos o que a repressão sexual não conseguiu em séculos: aniquilar com o sexo. Não por reprimi-lo, mas por vulgariza-lo.


Que continuem a propagar seus produtos e a disseminar suas reputações, digamos, frouxas e seus críveis atributos substanciais; vivemos, afinal, em um País —e, de certa forma, em um Mundo— Livre. Nenhuma restrição ao direito de manifestação. No entanto, a continuidade do envio das mensagens em massa —erroneamente chamados de spams— pode resultar numa debandada igualmente maciça daqueles que fazem uso dos serviços de e-mail. Por que tais práticas continuam a ser levadas a efeito sem que os responsáveis sejam chamados à prestação de contas?


Em acepção lata, a verdade reside no fato de que o controle efetivo e viável de tais práticas é virtualmente impossível, vez que a obtenção dos endereços eletrônicos alheios dá-se por meios independentes daqueles controlados pelos serviços de e-mail. Aliás, penso na Internet como um sistema anárquico e todos os dias rezo para que assim permaneça. Prefiro a anarquia aos desmandos e à corrupção dos donos do poder que estão sempre pensando em meter bedelho na rede.


Sem mais delongas nesta linha de argumentação, quero dizer apenas que a única via de defesa da qual os usuários dispõem é a exclusão sumária das mensagens indesejadas. Coisa que não fiz, e, digo mesmo, jamais farei. Tenho o ímpeto compulsivo de ler tudo o que me enviam, seja sobre prostitutas vietnamitas, repugnantes práticas de zoofilia ou até mesmo sobre garotas desnudas da ex-União Soviética. Enviaram as mensagens, globalizaram o orgasmo, brocharam a diplomacia e gozam com a nossa cara. O que é melhor: crer em nada ou em nada crer?


Cito Millôr Fernandes: “desde a mais tenra infância não tenho procurado outra coisas na vida do que ser livre. Livre das pressões terríveis dos conflitos humanos, livre para o exercício pleno da vida física e mental, livre das idéias feitas, mastigadas e digeridas”. Millôr Fernandes, citando George Bernard Shaw, afirma que “tenho uma insopitável desconfiança de qualquer idéia que venha sendo usada há mais de seis meses”.


Digo que a liberdade começa quando a gente aprende que ela não existe. Mas —ou talvez por isso— penso que todos devem ser livres. Mas quero a minha própria liberdade —inclusive a de não receber ecartas que não pedi— e não participar daquilo que os outros consideram suas liberdades. Até porque as liberdades dos outros costumam ter asas —e tudo aquilo que tem asas pode alçar vôo e ir aportar em outras plagas.

Um comentário:

Vampira Dea disse...

É dose mesmo.