quarta-feira, 2 de abril de 2008

Às compras para o dia das Mães

Findos a quaresma, a semana santa, a malhação do Judas, os festejos pascais com seus coelhinhos e ovos de chocolate, o comércio volta suas baterias para o Dia das Mães, que acontece neste ano no dia 11 de maio, segundo domingo daquele mês. Mesmo tendo sido contada e recontada milhares de vezes, relembro que a história da criação do Dia das Mães começa nos Estados Unidos, em maio de 1905, em uma daquelas pequenas e bregas cidades dos EUA, no caso, do Estado da Virgínia Ocidental. Foi lá que a filha de pastores Anna Jarvis e algumas amigas começaram um movimento para instituir um dia em que todas as crianças se lembrassem e homenageassem suas mães. A idéia era fortalecer os laços familiares e o respeito pelos pais.

Os comerciantes, no entanto, logo descobriram o potencial da data e a transformaram em Dia de Comprar Presentes para as Mães. E, por isso, pode ser considerado também o Dia do Comércio. Ao se avizinhar o Dia das Mães, o comércio, como é sabido, intensifica bastante o seu movimento. Grande número de pessoas entra nas lojas, butiques, supermercados, armazéns de secos & molhados, bolichos e outros estabelecimentos do gênero com a finalidade precípua de comprar presentes para as mães.

Havendo muitas mães e muitos presentes, ocorrem, vez por outra, mal entendidos. Pode acontecer que uma pessoa presenteie a mãe de outra, o que, dependendo das circunstancias, será interpretado como homenagem, engano, insulto ou sacanagem. Às vezes o presente não é destinado propriamente à mãe e sim a uma outra figura feminina nela encarnada. Pois, como se sabe, numa mesma mulher podem acumular-se muitas outras mulheres.

Não são raros os casos de mulheres que, sendo mães de alguns, são ao mesmo tempo esposas de outros, noivas de quartos, namoradas de terceiros, amantes de quintos, avós de sextos, e ainda irmãs, tias, cunhadas, concubinas, madrinhas, noras e amigas dos restantes. Este fato, aliás, pode ser facilmente verificado em anúncios fúnebres, e em nada contribui para evitar as confusões e os qüiproquós que são cometidos, por vezes, no Dia das Mães. E tem também as mães que são —ou se tornam— chefes de família, porque por este ou aquele motivo (mulheres descasadas, divorciadas, desquitadas, mães solteiras etc.) acabam liderando e sendo provedoras de suas proles: tornam-se o homem da casa.

Como se sabe, mãe também é um ser humano. Cada mãe recebe os presentes de acordo com o seu temperamento. Isto porque as mães, como quase todo mundo são também, como já foi dito, seres humanos e tem reações iguais a toda gente. As mães só deixam de ser seres humanos quando são entronizadas ou divinizadas, como no caso dos antigos egípcios e outros, ou então em cerimônias cívicas, quando então a mãe se torna A Mãe. Já em discussões, brigas de rua, estádios de futebol, sucede exatamente o inverso: a mãe se torna a mãe, ou a mãezinha, ou coisa pior, conforme o clima da pendenga.

A mãe geralmente é uma senhora ou moça de características medianas, cabelos castanhos (ainda que pintados), olhos castanhos, gênio variável, com bons dentes e bem vestida, se for mãe de família abastada, ou então com poucos dentes ou, às vezes, sem dente nenhum, malvestida, caso pertença às chamadas classes menos favorecidas, em torno das quais, nos últimos anos, tem havido considerável celeuma, graças aos inúmeros programas sociais e sanitários desenvolvidos pelos governos dos diversos níveis.

Fora das características sócio-econômicas, a mãe pode ser bem ou mal-humorada, culta ou analfabeta, mais ou menos bonita, dependendo de quem a olha. Pode ser dadivosa, gentil, amorosa, simpática, terna, doce, compreensiva, generosa, uma verdadeira mãe enfim; ou violenta, chata, exasperada, ranzinza, desagradável, desbocada, boquirrota, temperamental, pessimista: uma autêntica sogra. E também podem umas e outras dessas coisas, isto é, pessoas normais.

Isso nos leva à conclusão de que o tipo e o temperamento da mãe tem uma importância fundamental na vida dos filhos —seus e dos outros. Muitos estudos se realizaram a respeito. Alguns desses trabalhos foram feitos por filhos; outros por mães, que mostraram assim raro desprendimento e senso critico. Na maioria dos casos, esses trabalhos, publicados em forma de livros, opúsculos, reportagens e até canções populares, sugerem que mãe é a carreira mais difícil do mundo e é pra toda vida —embora não precise de exame psicotécnico, curso de graduação ou pós-graduação, nem atestado de bons antecedentes.

A fim de se tornarem mães, as mulheres ou casam ou mantêm poderosos intercâmbios de idéias, sentimentos e práticas fesceninas (com intensas trocas de fluídos) com pessoas do sexo oposto. Há, porém, casos de mulheres que se tornaram mães sem o referido intercâmbio. A este processo dá-se o nome de partenogênese ou agamia, e as pessoas que conseguem realizá-la tornam-se muito conhecidas e, não raro, até santificadas e veneradas .

A partenogênese (que vem do grego virgem + nascimento) ocorre com maior freqüência entre crustáceos, pulgões e aracnídeos, acontece também naturalmente em plantas agamospérmicas, afídeos e alguns vertebrados, como lagartos, salamandras, peixes, e até mesmo perus. Para alguns é um método muito prático, pois leva sobre o modo tradicional a formidável vantagem de dispensar a intervenção do ser masculino, sabidamente incômoda e moralmente execrável para evangélicos, carolas, papas, gays e outros.

Muitas editoras e articulistas de revistas ditas femininas já pensaram e escreveram sobre o assunto e cogitam tornar popular a partenogênese (assim, na base de proposta do tipo modernize a sua vida sexual: exclua os homens e seja uma partenogenética). Assim, mãe poderá gerar mãe através dos tempos, até se obter uma humanidade constituída exclusivamente de mães, um matriarcado, o que não só valorizará infinitamente o Dia das Mães, mas também tornara astronômica a receita do comercio varejista nessa data.

Diga-se de passagem, já hoje, mesmo sem a divulgação da partenogênese, o número de mães é muito grande. É difícil e sair-se à rua sem logo a gente deparar com uma mãe. Existem mães em toda parte: pilotando carros, motos e aviões, nas lojas, nas calçadas, nos ônibus, nos palcos, nas telas, nas praças. As estatísticas mais recentes demonstram que uma, em cada uma e meia mulher, foi, é ou será mãe. E destas uma e meia, dois terços receberão, com toda a certeza, um presente no Dia das Mães .

Não há país que não tenha mães. Há mães em Fiji, Eritréia, Djibuti, Curdistão, China, Madagascar, Sri Lanka e em todos os outros países filhados ou não à ONU. No Brasil, país de vasta extensão territorial, embora parcialmente desconhecido, mas muito explorado, também há mães em grande número e, naturalmente, registra esta celebração folclórica da imagem materna: sem contar as personagens populares como mãe-da-taoca, mãe-d'agua, mãe-de-porco, mãe-benta, mãe-joana etc.

Para essa celebração toda há ainda frases célebres como Mãe, só tem uma, É a mãe!, Só uma mãe sabe o que pesa um filho”, Não há nada pior do que não ter mãe sem ser órfão. Uma mas mães mais requisitadas é a Pátria-Mãe, na qual a pátria é comparada a uma verdadeira mãe. Desta última redunda, com certeza, a idéia de mamar nas tetas do Estado, idéia esta muito aplicada por políticos e governantes não só brasileiros, mas de todo o mundo.

Países ocidentais e orientais, do hemisfério norte ou do hemisfério sul, não foram os únicos a participar intensivamente da proliferação das mães. Grande parte dos países existentes no passado participou, igualmente, dessa produção. É o caso do Império Romano, do Império Otomano, de Portugal e Algarves ou ainda da Itália Fascista. Esses povos produziram mães não só em suas próprias terras, que ocuparam e saquearam e por onde deixaram vestígio indelével de sua passagem, tanto nas mães quanto nas artes, nas letras, ou nas ciências.

Curioso, aliás, como as guerras, as invasões, os terremotos, as inundações, as eras glaciais e outras calamidades públicas ou privadas, incrementam a produção geral de mães. As paixões parecem intensificar-se —os homens e as mulheres, diante da perspectiva do fim, querem gozar mais intensamente os derradeiros momentos da existência. Resultado: aumento da natalidade. Como se a natureza desse com uma das mãos e tirasse com a outra; melhor ainda: como se tirasse de um bolso para colocar no outro, agindo assim (na opinião de muitos) como uma a verdadeira mãe .

Assim chegamos ao auge e, conseqüentemente, ao desfecho destas maltraçadas observações. O que é, verdadeiramente, uma mãe? É aquela que tem um verdadeiro filho? É aquela que tem um verdadeiro amor de mãe? Ser mãe é desdobrar fibra por fibra o coração? É padecer no paraíso? A questão é complexa. Para os sentimentais é o amor de mãe que faz a mãe . Assim, para ser mãe não haveria necessidade de ter filhos (da mesma forma que para ser filho não haveria necessidade de se ter mãe). É o caso de religiosas, monjas e outras que tais, de certas babás, de professoras de jardim de infância, de senhoras que mantém cãezinhos etc.

Já as pessoas menos sentimentais —ateus, advogados, ginecologistas e outros, por exemplo— não acreditam que baste o amor para fazer a mãe. No seu entender, as únicas verdadeiras mães são encontradas entre as formigas e as abelhas, ou seja, as rainhas-mães: somente estas se dedicam, profissionalmente, vinte e quatro horas por dia, a atividade de ser mãe. Constituem-se em verdadeiras mães operarias, sendo tanto mães de zangões quanto de soldados, de operários, de futuras rainhas-mães, mães, enfim, de todo mundo que trabalha naquela particular colméia, sauveiro ou repartição.

Eis que a definição, como se nota, é das mais intrincadas. E esta complexidade é agravada pela crise de nosso tempo, crise imemorial, que é uma das características mais óbvias da civilização do chamado mundo ocidental. Resta-nos, apenas, o consolo de que a civilização contemporânea é com certeza a civilização mais nova que se conhece e, como toda civilização nova, necessita de tempo e experiência para resolver sozinha os seus problemas. Ou envelhecer sem chegar a solução alguma, como aconteceu a tantas civilizações do passado.

E o futuro? O que dizer do futuro, se o presente já é, por si só, tão emaranhado? Haverá no futuro mães como hoje? Produzirão, estas mães, filhos, como produzem em nossos dias? Mudará radicalmente o conceito de mãe ou mudarão os humanos? Cada vez mais rápidas, a ciência e a tecnologia — com a cibernética, inteligência artificial, biônica, transgênicos, adns, células-tronco, seres geneticamente modificados—, descobrirão outras maneiras de preservar a espécie? Haverá, ainda, espécie?

São perguntas inquietantes, sintomáticas da atribulação do século 21. E contudo, apesar de o futuro ser, tradicionalmente, quase impossível de se prever, atrevemo-nos a fazer uma: se continuar o atual desenvolvimento da Mulher, e este culto que se lhe presta em cada esquina, em cada capa de revista, na política, nas telas de tv e do cinema, na intenet, não há a menor duvida de que dentro de muito poucos anos, possivelmente ainda neste século, a única e verdadeira Mãe será o Pai. Enquanto não sabemos o que nos reserva o futuro, às compras para o Dia das Mães, portanto. Até porque tudo é uma questão de dinheiro; e, como se sabe, o dinheiro fala mais alto —e também manda calar a boca mais rápido.

Campo Grande MS, sábado, 29 de março/2008

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