terça-feira, 8 de março de 2005

Às vezes fico pensando se Deus não criou o amor para se divertir. Fico imaginando o Todo Poderoso no maior tédio naquele universo só perfeição, onde todos os seres animados cumpriam o papel que lhes cabia na natureza: comer, dormir, reproduzir e morrer. No sexto dia, sem idéias para incrementar a sua criação, o homem e a mulher, suas criações mais perfeitas, decidiu sofisticar: criou o amor. E lá foram seus planos de perfeição para o brejo. Se Ele pensava em criar uma civilização perfeita na Terra, fracassou. E por causa do amor certamente. Deve ser por isso que dizem que Deus fez o mundo em seis dias; no sétimo foi descansar e o Diabo assumiu.

Pense bem: o amor terá sido causa de todos (ou quase todos) os desentendimentos entre os homens. Na verdade, a causa do desentendimento de Adão e Eva não foi a serpente, mas sim o amor. Depois de haver provado do fruto proibido, Eva já não mais queria se entregar às práticas do acasalamento sem compromisso. Já estava falando de união estável, monogamismo, busca do orgasmo feminino y otras cositas más.

Sentindo-se ameaçado na sua condição de macho reprodutor, Adão resolveu sair do Paraíso e tomar outros rumos. “Prefiro o inferno a esta vida!”, lamentava o pobre primeiro homem. “Foi só passar algumas noites a mais sob o mesmo teto que Eva, que ela já se achou diferente das outras! Realmente Eva tem um corpinho que faria qualquer Homo sapiens sapiens perder a cabeça, mas isso não dia direito a ela de exigir exclusividade – isso é demais!”. Indignada, Eva resolveu abandonar o apartamento do Adão e voltou para a casa dos seus pais. Eva comeu o pão que o Tinhoso amassou, enquanto Adão continuava com sua rotina de macho solteiro, pulando de quarto em quarto, arrebanhando novas fêmeas para o seu clã. Deve ter sido daí que surgiram os haréns.

Depois de passado o trauma inicial, Eva começou a se dar conta de que a vida muito mais tinha para oferecer do que encontros casuais com um macho metido a besta e resolveu dar novos rumos à sua vida. O tempo passou e Eva, na falta de coisa melhor para fazer (até porque, ao que sabia até então, fora criada para servir o macho), decidiu criar uma comunidade com outras “evas” também insatisfeitas com a condição de “lides domésticas” – mais conhecidas como escravas sexuais. Pouco tempo se passou até que o conglomerado feminino se tornasse conhecido por toda a redondeza, atraindo mulheres de todos os quadrantes do planeta.

Adão, já há algum tempo sem poder se aventurar pelas generosas mas proibidas curvas da Eva e cada vez com menos opções para praticar uma das suas principais diversões, as atividades libidinosas do acasalamento (mesmo porque muitas das fêmeas disponíveis haviam se bandeado para as hostes da Eva), começou a sentir falta de sua antiga companheira. Profunda melancolia tocou-lhe o coração – Adão, deixando seu orgulho de lado, resolveu procurar Eva. Extremamente atarefada com a organização da comunidade, esta já nem se lembrava mais de Adão, que, na sua cabeça, não fora mais do que um tropeço da sua adolescência. A pain in the ass, ela diria se falasse inglês.

Pobre do Adão. Até tentou marcar uma audiência com Eva – e por escrito! –, mas até que lograsse ser atendido pela ex- para dialogar e discutir a relação (coisa que nunca haviam feito antes e desde Eva que mulher adora discutir a relação), passaram-se duas luas. Quando Eva encontrou Adão, assustou-se! Havia acertado consigo mesma que seria fria e calculista com aquele sujeitinho que tanto a desprezara. Entretanto, observando Adão naquele estado lastimável – costas arcadas, cabeça baixa, barba por fazer, olhar casmurro, – não conseguiu ser rude com aquela figura que não mais exalava virilidade, mas apenas inspirava compaixão, e resolveu sentar e ouvir o que ele tinha a dizer. O diálogo que se seguiu entre os dois foi mais ou menos o seguinte:

— Evinha...

— Adão.

— ...você está tão linda!

— E você, uma lástima!

— É, eu sei... Desde que você me deixou que eu...

— Não vá dizer que só faz pensar em mim, porque eu sei que vai ser a maior mentira deslavada que eu já ouvi na minha vida, e olha que eu já ouvi muitas...

— Ah é?! De quem?! E eu que sempre achei que você fosse fiel a mim...

— Se liga, Adão!! Cena de ciúmes a essa altura? Você tem certeza que quer tocar no assunto f-i-d-e-l-i-d-a-d-e?

— Perdão Evinha! Me exaltei um bocadinho. É que contar mentiras deslavadas aos pés do seu ouvido era a minha especialidade, lembra?

Adão conseguiu esboçar um sorriso tímido, será que estava conseguindo seduzi-la novamente? Mas Eva dá um tranco em Adão rapidamente...

— Pois é, isso aconteceu há muito tempo... Há séculos... As coisas mudaram... E muito. Eu mudei! Agora só me deito com seres superiores, isto é, mulheres. Virei lésbica, acho que é o destino das civilizações mais adiantadas, sexo com a finalidade de reprodução, nunca mais! Não só o sexo, mas a convivência e os diálogos entre as mulheres são muito mais harmoniosos, nos entendemos perfeitamente. Não precisamos mais dos homens – nem pra reproduzir. Portanto Adão, a porta é a serventia da casa!

Calma!, calma! Vocês deve estar pensando que esse é o triste fim das civilizações. Quer dizer, fim não, é o não-começo das civilizações, certo? Errado! O amor, o amor, você se esqueceu? Pois é, Eva, apesar de ser bastante firme e convincente em seu papel de líder das amazonas, ainda sentia alguma coisa por aquele macho retrógrado. O fato de ter vindo humildemente pedir seu perdão havia tocado o seu coração, ainda que soubesse que no fundo era um safado sem-vergonha, o Adão de sempre. Vai entender, o amor é assim, tudo, menos racional. Além do mais, aquele papo de mulher moderna, experimentando relacionamentos modernos não estava lhe agradando. Aquele bando de mulheres que não sabiam senão passar o dia falando mal uma das outras era progesterona demais para a sua cabeça. Vamos e venhamos, tpm já bastava a dela... Mas vamos prosseguir com o colóquio...

— Eva, meu anjinho, me perdoa, me perdoa! Depois que você me largou, nada mais faz sentido na minha vida. Percebi que não a quero apenas como reprodutora, mas como amante, esposa (única), mãe dos meus filhos, companheira pra toda a vida!

Adão, desesperado para ter alguém que cuidasse de seus achaques de homem velho, prometia qualquer coisa. Afinal, já não estava mais no vigor da juventude e já não mais podia se dar ao luxo de fazer o que lhe desse na telha, tinha que pensar em investimentos futuros. Além disso, teria que agüentar Eva apenas por mais uns poucos anos (é preciso lembrar que naquela época a expectativa de vida era bem menor), afinal Eva também já não era a beldade de outrora. Com seu talento para a observação (ainda que Adão não o utilizasse para ser mais sensível com as mulheres), já reparara que os seios de Eva já não eram mais tão firmes, apresentava visíveis sinais de um crescente culote, uma barriguinha safada e algumas celulites, além dos pés de galinha, é claro.

Ingênua como todas as mulheres, Eva quis acreditar nas boas intenções de Adão. Afinal, já não era mais moça (vide comentários de Adão acima) e menos ainda o era Adão. Sua virilidade e impetulância transformara-o em um senhor sem vergonha e patético. Seu cabelo, outrora negro e reluzente, apresentava traços grisalhos. Algumas rugas (que com certeza não eram de preocupação) e entradas crescentes compunham sua feição madura. E é claro, a barriguinha... É, pensou Eva, acho que finalmente estamos prontos um para o outro.

— Adão, apesar de todos os seus erros do passado (e que fique bem claro, espero que continuem no passado), estou disposta a te perdoar uma única vez...

— Amor, eu sabia que havíamos nascido um para o outro! Almas gêmeas, sabe?? — Deixe eu terminar de falar, se depois de expor todas as minhas condições você ainda quiser ficar comigo, então poderemos recomeçar nossas vidas.

— Por ti, submeto-me a tudo!

— Segundas e quartas lavar o quintal e arrumar a casa, terças e quintas abastecer as provisões de alimentos e não esquecer de colher cocos fresquinhos para o meu banho de desintoxicação cutânea, sexta arejar a casa e lavar as fossas (banheiros), ah, não esquecer de deixar a tampa abaixada!!

Qualquer semelhança com os dias atuais não é mera coincidência! Adão, desesperado, aceitou tudo, mantendo sempre a cabeça baixa. Era o preço que pagava por suas estrepolias da juventude, mas não se arrependia de nada.

— Tudo bem querida. Aceito tudo, qualquer coisa!

— Adãozinho...

Lágrimas rolaram pelas faces morenas da Eva e finalmente o casal consolidou sua união monogâmica. Tiveram dois filhos homens, sim, porque Eva também foi a responsável pela conscientização das mulheres para o planejamento familiar, e viveram felizes para sempre.

Você vai perguntar, é claro, se a história termina assim. Não! Claro que não. Terminasse assim, você não estaria lendo esta história. Na verdade, Eva passou a se interessar mais por seus meninos e deixou seu macho meio de lado. Adão teve uma recaída e continuou depositando suas sementes em muitos outros terrenos férteis, onde nasceram meninos e meninas que deram continuidade à espécie. Quer dizer, o dogma religioso do casamento monogâmico é pura balela. O Todo-Poderoso estava mais é querendo expandir a espécie humana, criada à Sua imagem e semelhança, na Terra. Se você pensar bem, verá que monogamia é a capacidade que temos de ser infiéis à mesma pessoa por toda a vida.

luca.maribondo@terra.com.br

http://luca.maribondo.blog.uol.com.br/

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