sábado, 13 de março de 2010

[O humor de Jânio Quadros]

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Jânio Quadros, o único presidente da República nascido nesta capital da Guaicurúndia, era realmente uma figura insólita. Muita gente considerava o ex-presidente um homem muito mal-humorado. No mais das vezes, dizia-se, chegava a ser ríspido —apesar de quase nunca ser grosseiro— com as pessoas que conviviam com ele. Isso desde muito jovem. Ele era dono de um mau humor altamente mordaz, que muitas vezes beirava o sarcasmo.

Segundo gente que conviveu bem de perto com ele, seu mau humor resultou em frases que se tornaram célebres pelo humor corrosivo, como quando afirmou que “eu jamais diria ’fi-lo porque qui-lo (frase que teria dito quando renunciou à Presidência da República, em agosto de 1961)’. O que eu disse foi ‘fi-lo porque o quis’”. Ou a paráfrase, atribuída ao ex-presidente, de uma citação de Oscar Wilde: “Brasil e Portugal são dois países separados pelo mesmo idioma”.


Em sua coletânea de citações reunidas no volume “O Melhor do Mau Humor”, o jornalista e escritor Ruy Castro argumenta que “em seus sagrados momentos de mau humor, toda pessoa deveria ter o direito de sair dando bananas ou chutando baldes para desabafar, sem ser chamada de intolerante, destemperada ou grosseira”. Como as normas de etiqueta e da boa convivência entre as pessoas não nos permitem apelar para este tipo de atitude, alguns de nós mais criativos apelamos para uma arma com certeza muito mais letal: o humor.

Isso pode parecer um disparate, mas é mais real do que pode avaliar a nossa vã filosofia. Ninguém pode, em sã consciência, acusar gente como Nelson Rodrigues, H. L. Mencken, Bertrand Russel, Millôr Fernandes, Woody Allen, Gore Vidal, Oscar Wilde, Paulo Francis, Groucho Marx, Stanislaw Ponte Preta e tantos outros, de bem humorada. Mas são deles algumas das frases mais engraçadas deste nosso planetinha tão triste, sempre citados por aqueles que gostam de parecer inteligentes.


Isto porque estas pessoas apelam para a ironia, para o sarcasmo, para a crítica ácida e mordaz sempre que são ofendidas ou contrariadas —a mordaça aumenta a mordacidade. Aliás, estas são ferramentas muito mais agressivas do que a própria falta de modos, como pode atestar todo mundo que já foi atingido por certas línguas que estão sempre destilando o fel mais amargo.


O Dr. Jânio certamente era uma dessas pessoas. Sua língua ácida não poupava nada nem ninguém. Logo depois de haver recebido o diploma de bacharel em Direito da tradicional Faculdade de Direito do Largo de São Francisco, em São Paulo, Jânio Quadros empregou-se como professor do Colégio Dante Alighieri, tradicional reduto das famílias paulistanas ditas quatrocentonas. Lá, o futuro presidente do Brasil ensinava português e geografia.


Por causa do seu estilo severo, rígido, austero, sempre circunspecto, Jânio Quadros certamente não estava entre os mestres mais populares entre o alunado. Pelo contrário: suas exigências quanto à pontualidade, aplicação, bom comportamento e disciplina nas aulas, correção nas tarefas de casa, faziam dele um dos professores mais execrados por seus alunos. Suas críticas mordazes aos alunos eram sempre recebidas com desejo de vingança pelos seus pupilos. Estes estavam permanentemente buscando meios e modos de vingar-se, em tentativas geralmente fracassadas.


Um dia, ao chegar para uma aula de português, o professor Quadros entrou na sala e, na primeira olhada em sua mesa, deu com um magro e já amarelado feixe de capim sobre o tampo. Olhou-o, fingindo não tê-lo percebido, e sentou-se. E ali, em sua cadeira, permaneceu no mais rigoroso silêncio por alguns minutos. Um silêncio que a todos constrangia, já que, contrariando seus hábitos, o mestre sequer fez a chamada.


Passados alguns minutos de pesado silêncio, Jânio Quadros, levantou-se e, olhando severamente, disse com a maior delicadeza que lhe foi possível: “Bem, meninos, vamos fazer a chamada e começar à nossa aula de hoje. Antes, solicito ao rapaz que esqueceu a sua merenda sobre a mesa, que venha buscá-la, para que possamos dar início aos nossos trabalhos”.


Outra história que demonstra este seu humor corrosivo deu-se em seu velório, em 16 de fevereiro de 1992. Conta-se que apareceu um homem aos prantos durante a sentinela. Ninguém conhecia o homem, nem entre os membros da família nem entre os amigos mais chegados. O homem, já bem entrado em anos, jurava que, muitos anos antes, estava no alto de um prédio disposto a se matar quando o ex-presidente, então um jovem vereador, gritou: “Não faça bobagem!” Ele explicou a Jânio Quadros que a única coisa que lhe restava era a morte e que iria pular porque a esposa o traíra com um amigo. Jânio dissuadiu o suicida com uma frase irretorquível: “O que tua mulher te arrumou foi um par de chifres, não um par de asas. Desça daí já!”. O humor de Jânio Quadros


Vivo fosse, Jânio Quadros, o único presidente da República nascido nesta capital da Guaicurúndia, estaria completando 86 anos neste sábado, 25 de janeiro de 2003. Muita gente considerava o ex-presidente um homem mal-humorado. No mais das vezes, dizia-se, chegava a ser ríspido – apesar de quase nunca ser grosseiro – com as pessoas que conviviam com ele. Isso desde muito jovem. Ele era dono de um mau humor altamente mordaz, que muitas vezes beirava o sarcasmo.


Segundo gente que conviveu bem de perto com ele, seu mau humor resultou em frases que se tornaram célebres pelo humor corrosivo, como quando afirmou que “eu jamais diria ’fi-lo porque qui-lo (frase que teria dito quando renunciou à Presidência da República, em agosto de 1961)’. O que eu disse foi ‘fi-lo porque o quis’” . Ou a paráfrase, atribuída ao ex-presidente, de uma citação de Oscar Wilde: “Brasil e Portugal são dois países separados pelo mesmo idioma”.


Em sua coletânea de citações reunidas no volume “O Melhor do Mau Humor”, o jornalista e escritor Ruy Castro argumenta que “em seus sagrados momentos de mau humor, toda pessoa deveria ter o direito de sair dando bananas ou chutando baldes para desabafar, sem ser chamada de intolerante, destemperada ou grosseira”. Como as normas de etiqueta e da boa convivência entre as pessoas não nos permitem apelar para este tipo de atitude, alguns de nós mais criativos apelamos para uma arma com certeza muito mais letal: o humor.


Isso pode parecer um disparate, mas é mais real do que pode avaliar a nossa vã filosofia. Ninguém pode, em sã consciência, acusar gente como Nelson Rodrigues, H. L. Mencken, Bertrand Russel, Millôr Fernandes, Woody Allen, Gore Vidal, Oscar Wilde, Paulo Francis, Groucho Marx, Stanislaw Ponte Preta e tantos outros, de bem humorada. Mas são deles algumas das frases mais engraçadas deste nosso planetinha tão triste, sempre citados por aqueles que gostam de parecer inteligentes.


Isto porque estas pessoas apelam para a ironia, para o sarcasmo, para a crítica ácida e mordaz sempre que são ofendidas ou contrariadas – a mordaça aumenta a mordacidade. Aliás, estas são ferramentas muito mais agressivas do que a própria falta de modos, como pode atestar todo mundo que já foi atingido por certas línguas que estão sempre destilando o fel mais amargo.


O Dr. Jânio certamente era uma dessas pessoas. Sua língua ácida não poupava nada nem ninguém. Logo depois de haver recebido o diploma de bacharel em Direito da tradicional Faculdade de Direito do Largo de São Francisco, em São Paulo, Jânio Quadros empregou-se como professor do Colégio Dante Alighieri, tradicional reduto das famílias paulistanas ditas quatrocentonas. Lá, o futuro presidente do Brasil ensinava português e geografia.


Por causa do seu estilo severo, rígido, austero, sempre circunspecto, Jânio Quadros certamente não estava entre os mestres mais populares entre o alunado. Pelo contrário: suas exigências quanto à pontualidade, aplicação, bom comportamento e disciplina nas aulas, correção nas tarefas de casa, faziam dele um dos professores mais execrados por seus alunos. Suas críticas mordazes aos alunos eram sempre recebidas com desejo de vingança pelos seus pupilos. Estes estavam permanentemente buscando meios e modos de vingar-se, em tentativas geralmente fracassadas.


Um dia, ao chegar para uma aula de português, o professor Quadros entrou na sala e, na primeira olhada em sua mesa, deu com um magro e já amarelado feixe de capim sobre o tampo. Olhou-o, fingindo não tê-lo percebido, e sentou-se. E ali, em sua cadeira, permaneceu no mais rigoroso silêncio por alguns minutos. Um silêncio que a todos constrangia, já que, contrariando seus hábitos, o mestre sequer fez a chamada.


Passados alguns minutos de pesado silêncio, Jânio Quadros, levantou-se e, olhando severamente, disse com a maior delicadeza que lhe foi possível: “Bem, meninos, vamos fazer a chamada e começar à nossa aula de hoje. Antes, solicito ao rapaz que esqueceu a sua merenda sobre a mesa, que venha buscá-la, para que possamos dar início aos nossos trabalhos”.


Outra história que demonstra este seu humor corrosivo deu-se em seu velório, em 16 de fevereiro de 1992. Conta-se que apareceu um homem aos prantos durante a sentinela. Ninguém conhecia o homem, nem entre os membros da família nem entre os amigos mais chegados. O homem, já bem entrado em anos, jurava que, muitos anos antes, estava no alto de um prédio disposto a se matar quando o ex-presidente, então um jovem vereador, gritou: “Não faça bobagem!” Ele explicou a Jânio Quadros que a única coisa que lhe restava era a morte e que iria pular porque a esposa o traíra com um amigo. Jânio dissuadiu o suicida com uma frase irretorquível: “O que tua mulher te arrumou foi um par de chifres, não um par de asas. Desça daí já!”.



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